Por Cristina Aparecida Nogueira, advogada da área Direito Imobiliário do Casillo Advogados.
Diante da repercussão geral do Tema 1051, o Supremo Tribunal Federal, por maioria, fixou a seguinte Tese: “É inconstitucional lei municipal que estabelece a obrigação da implantação, nos shopping centers, de ambulatório médico ou serviço de pronto-socorro equipado para o atendimento de emergência.”
O tema foi definido através do Recurso Extraordinário n° 833291 interposto pela ABRASCE – Associação Brasileira de Shopping Centers – visando a declaração de inconstitucionalidade das Leis n° 10.947/91 e 11.649/94 e o Decreto 29.728/91 do Município de São Paulo, que obrigavam a implementação de ambulatório ou de serviço de pronto-socorro equipado para atendimento de emergência, contando com pelo menos um médico e uma ambulância nas dependências de shoppings centers. Aos empreendimentos já existentes, as referidas leis municipais concediam o prazo de 180 dias para adequação e reformas, enquanto aos shoppings construídos a vigência das leis, não seria concedido o Auto de Conclusão, tampouco o Alvará de Funcionamento, caso não tenha sido destinada a área para os serviços médicos. Exigiam ainda diversas diretrizes para as instalações, tais como: metragem,
compartimento para recepção e espera, compartimento para imediato atendimento,
compartimento para manipulação, expurgo e desinfecção e sanitário com antecâmara. Ao julgar a ação, o Tribunal de Justiça de São Paulo entendeu pela constitucionalidade das leis, afirmando que “A Lei Municipal nada mais fez do que exercer o Poder de Polícia diante do risco em potencial que os referidos centros comerciais podem oferecer aos seus usuários e frequentadores resguardando a integridade física dos frequentadores”, havendo “evidente interesse local”, o que afastaria a inconstitucionalidade.
Em síntese, o mérito recursal se baseou na inconstitucionalidade formal – arguindo a competência privativa da União para legislar sobre saúde, seguridade social, não disporem sobre assunto de interesse local ou suplementarem legislação federal ou estadual – e inconstitucionalidade material – por contrariedade ao princípio da livre iniciativa.
Por maioria, o Plenário reconheceu que as leis impugnadas “afrontam desproporcionalmente, a liberdade econômica, consistindo em inadequada e impertinente intervenção estatal” e que as imposições “transbordam os limites de intervenção estatal na atividade econômica desenvolvida por esses estabelecimentos, seja pela ausência de correlação com a prestação de serviços oferecida, seja pela
imposição de altos custos na implantação e na manutenção do espaço, incluindo gastos com contratação, afora o custo de oportunidade de utilização do espaço”. A Procuradoria-Geral da República também foi favorável à declaração de inconstitucionalidade das leis, cujo trecho do parecer fora citado no acórdão:
“Não se mostra proporcional nem razoável, seja por impor a particulares a prestação de serviço que é de competência do Sistema Único de Saúde, por intermédio do Serviço de Atendimento Móvel de Urgência – SAMU, seja por reduzir a competitividade do empreendimento, somando não desprezíveis custos indiretos à atividade.”
Como bem salientado pela ABRASCE, os shoppings centers já contam com profissionais habilitados para prestar primeiros socorros a clientes eventualmente vitimados em suas dependências, de modo que é totalmente desproporcional e irrazoável a exigência municipal de impor ao ente privado a obrigação de prestação de serviços de assistência médica profissional somente pelo fato de haver grande circulação de pessoas.
De fato, tal determinação é contrária e incompatível com a atividade desenvolvida pelos shoppings centers, os quais não fornecem produtos e serviços perigosos ou nocivos, tampouco colocam em risco a saúde e segurança de seus frequentadores, nada que justifique a arbitrariedade das leis questionadas.
Se assim não se entendesse, as exigências municipais ora impugnadas – as quais poderiam ser estendidas a diversos outros municípios – acabariam por transferir o dever e a responsabilidade estatal de prover saúde e atendimento/assistência médica profissional a quem não detém expertise e não exerce atividade na área de saúde, frustrando a condução da atividade econômica desempenhada.
Portanto, a fixação da tese no Tema 1051 traz importantes implicações positivas para resguardar o princípio da livre iniciativa, razoabilidade, proporcionalidade e segurança, evitando impor responsabilidades e encargos excessivos sem qualquer correspondência com as atividades exercidas nos empreendimentos.