Por Mozart Iuri Meira Cótica, advogado do Setor de Direito Administrativo do Escritório Casillo Advogados.
Em julgamento encerrado no último dia 12/04/24, a 1ª Turma do Supremo Tribunal Federal ratificou a necessidade de comprovação de dolo para a condenação por improbidade administrativa nas ações em curso ou com condenação por ato culposo ainda não transitada em julgado.
Ao julgar o ARE nº 843989 (Tema 1.199), em agosto/2022, a Suprema Corte havia fixado, dentre outras, as seguintes teses de repercussão geral:
a) É necessária a comprovação de responsabilidade subjetiva para a tipificação dos atos de improbidade administrativa, exigindo-se nos artigos 9º, 10 e 11 da LIA a presença do elemento subjetivo dolo;
b) A nova Lei 14.230/2021 aplica-se aos atos de improbidade administrativa culposos praticados na vigência do texto anterior, porém sem condenação transitada em julgado, em virtude da revogação expressa do tipo culposo, devendo o juízo competente analisar eventual dolo por parte do agente.
Com base nesse entendimento, a 1ª Turma do STF extinguiu duas ações contra ex-ministros do governo Fernando Henrique Cardoso, que teriam praticado atos de improbidade administrativa na modalidade culposa, tal como permitia a Lei de Improbidade de 1992, então em vigor quando houve a acusação. Entretanto, com a alteração trazida pela Lei Federal nº 14.230/21, a Lei de Improbidade passou a admitir somente a modalidade dolosa.
A decisão foi tomada em questão de ordem levantada pelo ministro Alexandre de Moraes na Reclamação nº 2.186.
De acordo com ele, se por um lado não é possível retroagir a previsão que revogou a modalidade culposa do ato de improbidade aos casos com condenação definitiva porque ela não incide em relação à eficácia da coisa julgada, por outro não se pode condenar alguém com base na norma anterior, que admitia a modalidade culposa e foi revogada.
Como decorrência do princípio da legalidade, aplica-se, em regra, a lei penal vigente ao tempo da realização do fato criminoso (tempus regit actum). Para tanto, ela precisa ser editada antes da prática da conduta que busca incriminar.
Excepcionalmente, contudo, é permitida a retroatividade da lei penal para alcançar fatos passados, desde que para beneficiar ao réu. A essa possibilidade dá-se o nome de extra-atividade da lei, da qual derivam a retroatividade (capacidade que a lei penal tem de ser aplicada a fatos praticados antes da sua vigência) e a ultra-atividade (possibilidade de aplicação da lei penal mesmo após a sua revogação ou cessação de efeitos).
Assim, tendo sido revogado o ato de improbidade administrativa culposo antes do trânsito em julgado da decisão condenatória, não é possível a continuidade de uma investigação, de uma ação de improbidade ou mesmo de uma sentença com fundamento em uma conduta não mais tipificada legalmente.
O que acabou beneficiando, nesse caso concreto, os ex-ministros do governo FHC, que não mais responderão pelos atos de improbidade culposos que estavam sendo-lhes imputados.