Não é novidade que o direito eleitoral ganha protagonismo pela efervescência que causa nos anos em que há pleitos democráticos em nosso país.
Motivado por essa realidade e pela proximidade das eleições municipais, o STF tratou de decidir temática relacionada à controvertida questão da ilicitude das chamadas gravações ambientais clandestinas como “provas” acusatórias de eventual ilícito tipificado na legislação eleitoral.
Assim, no último 26 de abril, o STF resolveu, por maioria, no bojo do RE 1.040.515, fixar o Tema nº 979, a partir de voto proferido pelo ministro Dias Toffoli, que consagra a seguinte tese:
São ilícitas as gravações ambientais clandestinas no âmbito do direito eleitoral, salvo se autorizadas judicialmente, ou realizadas em local aberto, desde que não haja qualquer controle de acesso.
O entendimento vinculante, desse modo, deve ser observado em todas as instâncias da Justiça Eleitoral a partir das eleições vindouras.
A clarificação do tema é importante. Reputam-se como gravações ambientais clandestinas aquelas que registram diálogos e são promovidas sem o conhecimento de um dos interlocutores.
A prática é bastante comum durante os processos eleitorais brasileiros, especialmente no âmbito das eleições municipais, que se caracterizam pela acirrada rivalidade de grupos políticos em centros locais concentrados.
Cena recorrente da política fisiológica que contamina nosso país, a gravação clandestina era costumeiramente utilizada para a caracterização da nefasta “compra de votos”.
A encenação teatral visando ao prejuízo de adversários políticos, caracterizada por essa prática, foi, em nosso ver de modo indevido, aceita por muito tempo pela jurisdição eleitoral como prova de algum ilícito, quase sempre com o apoio do Ministério Público Eleitoral.
Indevida, em nossa ótica, porque a gravação clandestina, por si, (i) viola o direito de intimidade e de não produzir provas contra si, (ii) beneficia a torpeza do agente que realiza a gravação indevida, (iii) ofende o art. 8-A da Lei de Interceptações e, ainda, (iv) caracteriza evidente flagrante preparado. Ou seja, abraçava-se, como prova idônea, o objeto violador de diversas garantias constitucionais e processuais.
O TSE, por muito tempo, adotou postura pendular em casos dessa estirpe, acirrando, assim, o debate e, de certa forma, contribuindo para indesejável instabilidade jurídica em tema tão sensível.
Desse modo, o posicionamento do STF, a partir da tese fixada, traz luz e segurança ao cenário jurisdicional eleitoral pátrio. Decidiu-se, pois, de uma vez por todas, que é ilícita a prática de gravar clandestinamente um diálogo para depois usá-lo em processo acusatório eleitoral.
A exceção à regra da ilicitude da gravação ambiental feita sem o conhecimento de um dos interlocutores e sem autorização judicial ocorre na hipótese de registro de fato ocorrido em local público desprovido de qualquer controle de acesso, pois, nesse caso, não há violação à intimidade ou quebra da expectativa de privacidade.
Ou seja: a gravação vil, teatral, íntima e articulada por adversário político a fim de surpreender e prejudicar grupo rival opositor no afã de caracterizar eventual “compra de votos”, violando a privacidade e intimidade alheias, é, de agora em diante, considerada prova ilícita.
Já a gravação de falas e discursos realizadas em comícios e reuniões públicas em que não haja controle de acesso algum, de outro lado, pode ser utilizada para a caracterização de ilícito eleitoral.
Acertou, pois, o STF. Ainda que haja desdobramentos inexoráveis que certamente atrairão novos debates acerca das práticas eleitorais que os pleitos democráticos apresentam, sobretudo em tempos de uso de inteligência artificial, a definição, nesse momento, do tema soa como imprescindível e buscar frear a regra de “vale tudo” que, não raras vezes, cega os ânimos democráticos dos grupos envolvidos em eleições, sobretudo, municipais.