A alteração, apesar de não ser inédita, repercutiu de forma silenciosa e determinante na gestão de passivos e no contingenciamento de processos, sobretudo nas grandes corporações nacionais já no ano de 2025.
Desde o dia 30 de agosto de 2024, a dinâmica financeira dos processos judiciais no Brasil mudou radicalmente. A promulgação da Lei 14.905/2024 alterou o Código Civil para uniformizar a atualização monetária e os juros legais, consolidando legislativamente o que o Superior Tribunal de Justiça (STJ) já havia sinalizado no paradigmático julgamento do REsp 1.795.982.
Para empresários com contencioso ativo — seja na posição de credor ou devedor —, essa mudança não foi apenas um detalhe técnico; foi uma alteração de rota na gestão financeira dos processos.
Durante décadas, conviveu-se com uma sistemática que, inadvertidamente, transformou o processo judicial em um investimento de alta rentabilidade. A regra padrão aplicada pelos Tribunais de Justiça envolvia a correção monetária (pelo INPC ou IGP-M) somada a juros de mora de 1% ao mês.
Num país com histórico inflacionário, essa fórmula gerava um efeito “bola de neve”. Uma dívida judicial, muitas vezes, rendia 12% ao ano em juros reais (acima da inflação), superando a grande maioria das aplicações financeiras de baixo risco disponíveis no mercado gerando distorções tanto para credores como para devedores, pois o passivo tornava-se impagável ao longo do tempo, desestimulando acordos e inviabilizando recuperações.
A Lei 14.905/2024 alinhou o Brasil à realidade de mercado. Assim, quando não houver taxa convencionada em contrato, aplica-se, para correção monetária, o IPCA (Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo) e para juros a taxa legal passa a ser equivalente à taxa referencial do Sistema Especial de Liquidação e de Custódia (Selic), deduzido o índice de correção monetária.
Em termos simples: a dívida judicial passa a custar, essencialmente, o custo do dinheiro para o Estado (Selic).
A legislação, é verdade, favoreceu um pouco mais o devedor — ou, sendo mais realista, a saúde financeira das empresas com passivo judicial.
Entretanto, ao remover o ganho real fixo de 1% ao mês, a lei retirou o incentivo à litigância prolongada e o caráter especulativo do crédito judicial. O débito continuou sendo atualizado, mas passou a seguir a flutuação da economia real, e não uma fórmula aritmética punitiva e descolada do mercado.
Para o empresário, isso significou a redução do risco do passivo oculto já que o valor da condenação final tornou-se mais previsível e menor do que era no sistema anterior ao mesmo tempo que incentivou a negociação pois sem a “rentabilidade garantida” de 1% ao mês, credores ficaram mais propensos a aceitar acordos.
A Lei 14.905/2024 não premiou a inadimplência, mas encerrou a distorção que tornava o processo judicial excessivamente oneroso para quem empreende e produz.
Escrito por:
Ângela Estorilio Silva Franco
Advogada do Setor de Direito de Família, Sucessões, Planejamento e Gestão Patrimonial
