
A recente lei 14.879/2024 trouxe relevante alteração nas regras de modificação de competência por meio da eleição de foro, prevista no artigo 63 do Código de Processo Civil. A principal inovação legislativa foi a possibilidade de declinação de competência territorial de ofício pelo juízo, sem a necessidade de provocação das partes, nos casos em que a ação tenha sido ajuizada em foro aleatório.
Essa mudança representa uma superação parcial da Súmula 33 do Superior Tribunal de Justiça, a qual dispõe que “a incompetência relativa não pode ser declarada de ofício”.
No entanto, a nova regra não se aplica indistintamente a todos os casos, mas tão somente às ações ajuizadas após a vigência da referida lei, independentemente da data em que o negócio jurídico processual tenha sido celebrado.
Essa foi a interpretação consolidada pelo Superior Tribunal de Justiça ao julgar o Conflito de Competência n° 206933 – SP em 10/02/2025, cuja controvérsia foi estabelecida após o Juízo de Campo Grande/MS ter declinado a competência ao foro de São Paulo, considerando a existência de cláusula de eleição de foro.
Ao ser redistribuída a ação, o Juízo da 38ª Vara Cível de São Paulo também reconheceu a sua incompetência e suscitou o conflito negativo de competência sob o fundamento de aleatoriedade da eleição do foro, de acordo com os §§1º e 5º, do art. 63 do CPC.
A Corte Superior reconheceu e fixou que a Lei 14.879/2024 não se aplica retroativamente, ou seja, não alcança as ações ajuizadas antes de 04/06/2024, e ainda que o foro seja aleatório, não caberá o declínio de competência ex officio, declarando o Juízo da 38ª Vara Cível de São Paulo como o competente para julgar a ação, considerando que o ajuizamento é anterior à vigência da lei.
O marco temporal foi estabelecido em respeito aos artigos 14 e 43, ambos do CPC:
Art. 14: “A norma processual não retroagirá e será aplicável imediatamente aos processos em curso, respeitados os atos processuais praticados e as situações jurídicas consolidadas sob a vigência da norma revogada.”
Art. 43: “Determina-se a competência no momento do registro ou da distribuição da petição inicial, sendo irrelevantes as modificações do estado de fato ou de direito ocorridas posteriormente, salvo quando suprimirem órgão judiciário ou alterarem a competência absoluta.”
No julgamento, ressaltou-se que “a nova legislação não pode ser aplicada aos processos que estão em curso e cuja competência – pelo foro de eleição – foi prorrogada por inércia da contraparte ou pela incidência da Súmula 33/STJ, porquanto a prorrogação da competência relativa se encontra protegida pelos atos processuais praticados e pelas situações jurídicas já consolidadas”.
Ao definir com precisão o marco temporal, o STJ reforça a segurança jurídica, garante a observância dos princípios da irretroatividade da lei processual e do Tempus Regit Actum, uniformiza a aplicação das novas regras processuais nas demais instâncias do Poder Judiciário e orienta os advogados na escolha do foro competente para o ajuizamento de novas ações, evitando, assim, atrasos na tramitação processual e custos adicionais.
Escrito por:
Cristiane Aparecida Nogueira
Advogada – Integrante do Setor Cível