
A interrupção no fornecimento de energia elétrica configura uma eventualidade capaz de gerar diversos transtornos e prejuízos, tanto para consumidores quanto para empresas. Em decorrência da descontinuidade do serviço, as empresas distribuidoras de energia podem ser responsabilizadas civilmente. Contudo, visando a prestação de um serviço seguro e de qualidade, as empresas do setor adotam diversos indicativos de fiscalização, que buscam garantir o equilíbrio entre a entrega do serviço contratado ao consumidor e a proteção das empresas em situações que extrapolam suas obrigações civis e consumeristas.
OBRIGAÇÕES LEGAIS E REGULATÓRIAS DAS DISTRIBUIDORAS DE ENERGIA ELÉTRICA
No exercício de sua atividade fiscalizatória, a Agência Nacional de Energia Elétrica (ANEEL) desempenha um papel fundamental na regulamentação do setor elétrico, estabelecendo inúmeras metas que devem ser respeitadas, sob pena de aplicação de penalidades severas, como a rescisão contratual unilateral ou a perda do contrato de concessão de prestação de serviço público.
As distribuidoras de energia elétrica, em particular, possuem obrigações legais e regulatórias que visam assegurar a qualidade e a continuidade do fornecimento de energia. No entanto, é crucial reconhecer que, apesar dos esforços e investimentos contínuos, existem situações em que a responsabilidade civil das empresas deve ser adequadamente delimitada, considerando as excludentes previstas na legislação.
A Resolução normativa da ANEEL nº 1.000/2021, em seu artigo 353, por exemplo, detalham as hipóteses em que o fornecimento de energia elétrica pode ser descontinuado, reconhecendo situações emergenciais, razões técnicas ou de segurança em instalações e manutenções nos sistemas de distribuição. Nesses casos, a suspensão do fornecimento não é apenas permitida, mas também exigida, quando constatada deficiência técnica ou de segurança nas instalações do consumidor, visando prevenir riscos iminentes de dano.
EXCLUDENTES DE RESPONSABILIDADE CIVIL E CONSUMERISTA
Não obstante as obrigações das distribuidoras, eventos imprevisíveis e inevitáveis podem impedir o cumprimento da obrigação de fornecimento de energia contínua. No setor elétrico, exemplos práticos incluem eventos climáticos extremos, como tempestades, raios, enchentes, desastres naturais e outros eventos da natureza que impactam diretamente a distribuição de energia, afetando não só o setor elétrico, mas a sociedade como um todo.
O Código de Defesa do Consumidor (art. 14, §1º, inciso I, CDC) e o Código Civil (art. 927, parágrafo único, CC) estabelecem a responsabilidade objetiva do fornecedor de serviços, incluindo as empresas distribuidoras de energia elétrica, pelos danos causados aos consumidores por falha na prestação do serviço. No entanto, os referidos códigos também preveem excludentes de responsabilidade, como o caso fortuito, força maior e culpa exclusiva do consumidor/vítima ou de terceiros.
A Agência Nacional de Energia Elétrica (ANEEL), por meio do artigo 4º, §3º, inciso I de sua resolução normativa nº 1.000/2021, reconhece a ocorrência de eventos da natureza como excludentes de responsabilidade, afastando da obrigação das empresas do ramo os períodos de desligamento da rede considerados como “Dia Crítico” e de “Interrupção em Situação de Emergência”. Portanto, nos casos de interrupção por fenômenos da natureza, que atingiram diretamente a rede elétrica, levando ao desligamento da rede de distribuição de energia por quedas de árvores e postes, queima de equipamentos por descargas atmosféricas, rompimento de cabos, entre outros, os tribunais regionais pátrios (IRDR nº 1.676.133-2), bem como o Superior Tribunal de Justiça (REsp nº 935.468), reconhecem esses eventos climáticos imprevisíveis e inevitáveis como excludentes de responsabilidade civil e consumerista, eximindo as empresas do ramo de energia de ressarcir as vítimas em virtude da inexistência de falha na prestação de serviço.
Além das hipóteses de caso fortuito e força maior, a responsabilidade civil das distribuidoras de energia também é excluída frente à culpa exclusiva da vítima ou de terceiros. A Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), por meio da NBR nº 5410, determina que as unidades consumidoras em que são desenvolvidas atividades que demandam fornecimento de energia elétrica com continuidade superior aos parâmetros regulatórios do serviço de distribuição de energia (Resolução 956/2021 da ANEEL), devem adotar medidas de proteção suplementares, como geradores de energia, etc.
Contrariamente, os consumidores que agem com desídia, não promovem a adequação técnica de sua Unidade Consumidora (UC) e não implementam as medidas necessárias para mitigar seu risco evidente e conhecido, inclusive, em certos casos, sujeitando sua atividade econômica e empresarial à mercê de prejuízos, em desconformidade com a teoria do “duty to mitigate the loss”.
As excludentes de responsabilidade civil em casos de interrupção no fornecimento de energia elétrica constituem um tema complexo e relevante tanto para as empresas de energia quanto para os consumidores. É fundamental que haja equilíbrio entre a responsabilidade das empresas em garantir a qualidade do serviço e a proteção dos direitos dos consumidores em casos de interrupção. A análise jurídica cuidadosa de cada caso concreto, considerando as peculiaridades da situação, a legislação aplicável, a regulamentação da ANEEL e a jurisprudência relevante, é essencial para a solução de conflitos e a promoção da justiça no setor elétrico.
Escrito por:
Bruno Mattoso dos Santos
Advogado – Integrante do Setor de Direito de Energia