
A Reforma Tributária aprovada pelo Congresso Nacional em dezembro de 2023[1] teve por escopo alcançar a tributação sobre o consumo, simplificando-a, com a tributação no local do consumidor final (destino), visando ampla utilização dos créditos tributários (não cumulatividade plena) e mínima ingerência do sistema tributário na tomada de decisões empresariais (neutralidade).
Com a sua implementação gradual a partir de 2026[2], o ICMS[3] e o ISS[4] passarão a ser substituídos pelo Imposto sobre Bens e Serviços (IBS), ao passo que a contribuição ao PIS e a COFINS[5] passarão a ser substituídas pela Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS). A reforma tributária cria o Imposto Seletivo (IS) e restringe o campo de incidência do IPI[6]. Os contribuintes conviverão com os dois regimes tributários até 2032, quando se encerrará o regime de transição.
A Lei Complementar nº 214, de 16/01/2025 (LC 214/2025), regulamenta a Reforma Tributária sobre o Consumo, disciplinando as regras gerais do IBS (receita destinada aos Estados e Municípios), da CBS (Federal) e do IS (Federal). As alíquotas de referência do IBS e da CBS serão fixadas por Resolução do Senado Federal, cabendo a cada ente da federação estabelecer a sua alíquota fixa, regra geral, para todas as operações, havendo estimativa do Ministério da Fazenda de que a soma das alíquotas do IBS (Estados + Municípios) e da CBS (União) resultará 26,5%.
Diversos segmentos da economia, no entanto, serão tributados por “Regimes Diferenciados” (por exemplo, hotelaria, bares e restaurante etc) e outros por “Regime Específico”, caso das operações com Bens Imóveis.
O Regime Específico para operações com Bens Imóveis (art. 251 e seguintes da LC 214) leva em consideração fatores de redução das alíquotas e de base de cálculo (redutor de ajuste e redutor social) no cálculo do IBS/CBS que será devido pelo vendedor/locador. Os fatores de redução serão detalhados mais adiante.
O regime específico de bens imóveis será aplicável para as operações: construção civil e incorporação imobiliária; alienação, parcelamento de solo e adjudicação; cessão ou ato oneroso translativo ou constitutivo de direitos reais; locação, cessão onerosa e arrendamento (inclusive servidão e direito de passagem); administração e intermediação de bem imóvel.
Não incidirá IBS/CBS sobre operações de permuta (exceto sobre a torna) e na constituição ou transmissão de direitos reais de garantia.
Convém observar que os tributos incidentes sobre a transmissão de propriedade imóvel – ITCMD[7] ou ITBI[8], seguirão sendo exigidos. Note-se que a reforma tributária dá mais autonomia ao Poder Executivo Municipal para a atualização da base de cálculo do ITBI[9] e traz alterações à incidência do ITCMD – que serão explanadas noutra oportunidade.
Atualmente, as operações de venda e de locação de bens imóveis são tributadas pelo IRPF e, no caso das pessoas jurídicas cuja atividade principal efetiva seja a imobiliária, pelo IRPJ, CSLL e PIS/COFINS.
Como regra geral, as pessoas físicas estão sujeitas à tributação pelo imposto de renda (IRPF) quando da alienação de bens imóveis à alíquota de 15% sobre o ganho de capital, bem como sobre os rendimentos auferidos pela locação de imóveis em alíquotas que podem variar de 7,5% a 27,5%, observados outros rendimentos tributáveis e as possibilidades de isenção.
Note-se que as pessoas físicas não são, atualmente, contribuintes dos tributos que deixarão de existir (ICMS/ISS e PIS/COFINS) em operações com bens imóveis, mas poderão ser contribuintes, além do IRPF, de IBS/CBS, nos seguintes casos:
Pessoa Física contribuinte de IBS/CBS | |
VENDA | mais de 3 imóveis distintos no ano (em seu patrimônio há menos de 5 anos) |
mais de 1 imóvel por ela construído nos últimos 5 anos | |
LOCAÇÃO, CESSÃO ARRENDAMENTO | mais de três imóveis e a receita total supere R$ 240mil ao ano |
receita superar R$ 288mil/ano |
A tributação das receitas de aluguel e da renda auferida na alienação bens imóveis das pessoas jurídicas depende do regime tributário adotado, em resumo:
PJ Lucro Presumido e Regime Cumulativo | PJ Lucro Real e Regime Não Cumulativo | |
VENDA | IRPJ: 15% e adicional de 10% sobre a parcela que exceder R$ 20.000,00 ao mês, ambos sobre 8% da receita | IRPJ: 15% e adicional de 10% sobre a parcela que exceder R$ 20.000,00 ao mês, ambos sobre o lucro real |
CSLL: 9% regra geral, sobre 12% da receita | CSLL: 9% regra geral, sobre a base ajustada | |
PIS: 0,65% sobre a receita | PIS: 1,65 sobre a receita | |
COFINS: 3% sobre a receita | COFINS: 7,6 sobre a receita | |
LOCAÇÃO | IRPJ: 15% e adicional de 10% sobre a parcela que exceder R$ 20.000,00 ao mês, ambos sobre 32% da receita | IRPJ: 15% e adicional de 10% sobre a parcela que exceder R$ 20.000,00 ao mês, ambos sobre o lucro real |
CSLL: 9% regra geral, sobre 32% da receita | CSLL: 9% regra geral, sobre a base ajustada | |
PIS: 0,65% sobre a receita | PIS: 1,65 sobre a receita | |
COFINS: 3% sobre a receita | COFINS: 7,6 sobre a receita |
Independentemente da forma de tributação do IRPJ/CSLL, as pessoas jurídicas que apurarem IBS/CBS no regime regular estarão sujeitas à tributação das operações com bens imóveis pelo Regime Específico. Nesse ponto é importante que o contribuinte esteja atento às regras que serão aplicáveis para a utilização/compensação dos créditos de IBS/CBS.
Para o cálculo do IBS e da CBS devidos partir de 1º/01/2027 serão aplicados fatores de redução para mitigar os critérios quantitativos da regra de incidência, de modo a adaptar a norma às especificidades do setor. Embora a mudança de paradigma e tributação do setor imobiliário pelos tributos sobre o consumo, o IBS e a CBS contarão com:
- Redutor de alíquota: nas operações de venda de imóveis, haverá uma redução em 50% da alíquota padrão; nas operações de locação, cessão onerosa, arrendamento, a redução será em 70% da alíquota padrão.
- Redutor social: reduz a base de cálculo em operação com imóvel residencial novo em R$100 mil e com lote residencial em R$ 30mil do valor da venda após o redutor de ajuste; e em R$ 600,00 em caso de locação.
- Redutor de ajuste: reduz abase de cálculo na venda do imóvel, levando em consideração o “custo de aquisição”, bem como o ITBI/laudêmio pago na operação anterior (quando da aquisição do imóvel pelo contribuinte do IBS/CBS) e contrapartidas urbanísticas ou ambientais entregues pelo empreendimento aos entes públicos.
Situação do Imóvel | Redutor de Ajuste na Venda de Imóveis |
Imóvel em construção em 31/12/2026 | Custo de aquisição do terreno + bens e serviços adquiridos até 31/12/2026, ambos atualizados pelo IPCA. |
Imóvel já pertencente ao contribuinte em 31/12/2026 | 1. Custo de aquisição atualizado pelo IPCA; ou |
2. Valor de referência do Sistema Nacional de Gestão de Informações Territoriais. | |
Aquisição a partir de 01/01/2027 | Custo de aquisição. |
A LC 214/2025 prevê Regimes de Transição para operações com bens imóveis.
No caso de incorporação imobiliária, serão observados os critérios estabelecidos no art. 485 da LC 214 àquelas submetidas ao Regime Especial de Tributação (RET) – Incorporação de que trata a Lei nº 10.931/2004; nas alienações decorrentes de parcelamento do solo, os critérios do art. 486 da LC 214; em ambos os casos desde que o pedido de registro tenha sido feito antes de 1º/01/2029.
Haverá regime de transiçãopara contratos de locação, cessão onerosa ou arrendamento residencial e não residencial, hipótese em que o contribuinte poderá optar pela tributação definitiva pelo IBS/CBS à alíquota de 3,65% sobre a receita bruta auferida, vedada a apropriação de créditos e a utilização de redutor social, observada a necessidade de escrituração contábil segregada da operação.
Contrato de Locação | Requisitos | Prazo do Regime de Transição |
Residencial | – Contrato firmado até a data da publicação da LC 214 (16/01/2025); | Prazo original do contrato ou até 31/12/2028, o que ocorrer primeiro. |
– Comprovação da data por firma reconhecida, assinatura eletrônica ou comprovação do pagamento do primeiro mês de locação. | ||
Não Residencial | – Contrato firmado até a data da publicação da LC 214 (16/01/2025); | Duração do contrato registrado. |
– Contrato registrado até 31/12/2025 (Registro de Imóveis, Títulos e Documentos ou RFB e Comitê Gestor do IBS); | ||
– Comprovação da data por firma reconhecida ou assinatura eletrônica. |
A locação de imóvel residencial de contribuinte regular, por período inferior a 90 dias, será tributada como serviço de hotelaria, que conta com redução de 40% da alíquota base.
Havia previsão no projeto de lei complementar de aplicabilidade do Regime Específico sobre qualquer utilização onerosa de espaços físicos (PLP, art. 252, § 1º, III), que foi vetada quando da sanção à LC 214. Algumas situações ainda poderão gerar dúvidas sobre se a incidência do IBS/CBS se dará pelo regime específico ou geral.
Os fundos de investimento imobiliário (FII) e os fundos patrimoniaisserão considerados contribuintes de IBS/CBS em razão dos vetos do Poder Executivo. A LC 214 é questionável nesse aspecto, pois a qualidade de contribuinte demanda a realização de atividade econômica, sendo certo que os fundos de investimento são “comunhão de recursos”, a teor do art. 4º da Resolução CVM 175.
As empresas optantes pelo Simples Nacional ou MEI poderão optar pelo recolhimento em valor fixo mensal – sem apropriação de créditos do IBS e da CBS – ou pela apuração do IBS/CBS conforme a LC 214/2025.
A Reforma Tributária traz mudanças significativas na tributação das operações com bens imóveis. Os contribuintes devem estar atentos às novas regras para avaliação e revisão dos contratos existentes. Se você tem interesse em algum assunto específico da reforma tributária ou sugestão de temas a serem abordados em publicações pelo Setor Tributário, entre em contato conosco!
- [1] Emenda Constitucional nº 132/2023.
- [2] IBS a 0,1% e CBS a 0,9% em 2026; CBS total em 2027, com a extinção de PIS/COFINS.
- [3] Imposto sobre a Circulação de Mercadorias e Serviços.
- [4] Imposto sobre Serviços.
- [5] Contribuições Sociais para o Programa de Integração Social e para o Financiamento da Seguridade Social.
- [6] Imposto sobre Produtos Industrializados.
- [7] Imposto sobre a Transmissão Causa Mortis e Doações, devido pelo herdeiro/donatário.
- [8] Imposto sobre a Transmissão de Bens Imóveis, devido pelo comprador.
- [9] Não necessariamente o valor da venda será adotado para a cobrança do ITBI, contrariando o entendimento atual do STJ nesse sentido. Isso porque a EC 132/2023 incluiu o inc. III ao art. 156 da CF, que prevê que a base de cálculo do ITBI poderá ser atualizada pelo Poder Executivo, conforme critérios estabelecidos em lei municipal.
Escrito por:
Thaís Tod Dechandt
Advogado – Integrante do Setor Tributário