Por Cristian Luiz Moraes, advogado da área Recursal do Casillo Advogados.
Recentemente, o STF e o STJ se dedicaram a enfrentar, de modo franco e direto, importantes aspectos atinentes ao contrato de alienação fiduciária em garantia, clarificando-os a fim de restringir os conflitos que possam orbitar sobre sua sistemática.
Recentemente, o STF e o STJ se dedicaram a enfrentar, de modo franco e direto, importantes aspectos atinentes ao contrato de alienação fiduciária em garantia, clarificando-os a fim de restringir os conflitos que possam orbitar sobre sua sistemática.
A preocupação das mais altas Cortes de Justiça do país tem uma razão de ser: a alienação fiduciária em garantia é uma das mais eficazes modalidades contratuais existentes em nosso ordenamento jurídico destinada a fomentar a aquisição de imóvel pelas pessoas.
Isso decorre de sua ideia de incremento ao direito constitucional social de moradia alinhado ao impulsionamento que empresta à concessão e liberação de créditos atraentes, pelas instituições financeiras, mediante uma boa dose de garantia de retorno econômico.
Essa realidade decorre do fato de que a propriedade resolúvel permanece em nome do credor fiduciário (instituição que fornece o crédito, que exerce a posse indireta) ao passo que o devedor fiduciante apenas adquire a propriedade com a quitação do financiamento habitacional (permanece apenas com a posse direta, durante a relação contratual).
Diante de eventual inadimplência, etapas extrajudiciais consolidariam a propriedade em nome da instituição credora ocasionando a perda da posse direta do bem pelo devedor.
Apesar disso, a luz que norteou a legalização do instituto vinha sucumbindo perante a judicialização constante movimentada por devedores inadimplentes que, no afã de não perderem a posse direta do bem, questionavam aspectos formais e práticos da modalidade que moldam seu perfil célere e eficaz na resolução de eventuais conflitos.
Dentre tais pontos, destacavam-se a resolução extrajudicial da consolidação da propriedade e a desnecessidade do registro do contrato para assegurar sua efetividade entre os contratantes.
Diante desse cenário, foram necessárias e precisas as intervenções do STF e do STJ a fim de que a luz inspiradora do instituto – e a sua própria efetividade – não se perdesse.
Em 26/10/2023, o STF, no julgamento do Recurso Extraordinário 860.631/SP, fixou o Tema 982 a partir da seguinte tese: “É constitucional o procedimento da Lei nº 9.514/1997 para a execução extrajudicial da cláusula de alienação fiduciária em garantia, haja vista sua compatibilidade com as garantias processuais previstas na Constituição Federal”
O plenário do STF, a partir desse entendimento, concluiu pela legalidade da retomada do imóvel fora da esfera judicial na hipótese de inadimplemento contratual por parte do adquirente do bem, assinalando que sua observância não fere direito de defesa ou acesso ao Poder Judiciário, tampouco arranha o sagrado direito social à moradia.
O eminente Ministro Luiz Fux, no voto vencedor, dissecou a legalidade do procedimento extrajudicial, sobretudo por se dar perante o Oficial do Registro de Imóveis que, enquanto agente de atividade estatal delegada, sujeita-se à fiscalização estatal.
Destacou, ainda, a importância de tal procedimento para fomentar o mercado imobiliário e fornecimento de crédito a partir de aspectos que abraçam a celeridade e eficiência sem se olvidar, contudo, da segurança jurídica aos envolvidos.
Realçou, por fim, que o procedimento extrajudicial observa etapas que, até o derradeiro instante, permitem ao devedor, mediante a quitação do débito, evitar o perdimento do bem.
A 2ª Seção do STJ, por seu turno, em julgamento do EREsp nº 1.866.844/SP, ocorrido em 27/09/2023, entendeu pela desnecessidade de registro do contrato de alienação fiduciária, à luz do que preconiza o art. 23, da Lei nº 9.514/97, para que produza efeitos.
A Min. Nancy Andrighi, em seu voto-vista, asseverou que “ainda que o registro do contrato no competente Registro de Imóveis seja imprescindível à constituição da propriedade fiduciária de coisa imóvel, nos termos do art. 23 da Lei nº 9.514/1997, sua ausência não retira a validade e a eficácia dos termos livre e previamente ajustados entre os contratantes, inclusive da cláusula que autoriza a alienação extrajudicial do imóvel”.
Com ditos posicionamentos, crê-se que coube ao STF e STJ imprimir efetividade à luz norteadora que inspirou a edição da Lei nº 9.514/97 a partir da ideia de que a simplificação procedimental atraída à esfera extrajudicial não fere direitos consagrados pelo nosso modelo de Estado Democrático de Direito, mas, antes disso, conserva a complexa relação havida entre contratantes que possuem assimetria de poder econômico mediante o estreito equilíbrio que deve haver entre a consagração do direito social à moradia e o fornecimento de garantias de reaquisição do capital emprestado.