A cadeia de custódia das provas: conceito, importância e consequências jurídicas em caso de violação


O Direito Criminal, como sabemos, afeta diretamente os temas mais sensíveis da sociedade, e tem repercussão na esfera de liberdade daqueles que são acusados da prática de infrações penais.

Como ramo do Direito que lida com a tipificação de condutas criminosas, e correspondente sanção, o Direito Criminal se encontra em constante tensão entre a almejada manutenção da ordem pública e proteção dos direitos individuais. Os temas afetos à prova em matéria criminal não fogem a esta regra.

Afinal, se reconhecemos o valor das liberdades civis e individuais, imediatamente tomamos consciência de que o processo criminal pode ser transformado em um perigoso instrumento de opressão contra essas mesmas liberdades. Por isso sua aplicação depende da rigorosa observância dos princípios constitucionais, como o da legalidade, da ampla defesa e do devido processo legal, a fim de evitar abusos e garantir que nenhuma pessoa seja punida sem a devida – e legítima – comprovação de culpa.

Nesse panorama é que se insere o tema da Cadeia de Custódia da Prova.

No processo penal, a prova constitui o elemento central para a formação da convicção do julgador sobre o caso criminal. Entretanto, a prova somente será válida – ou seja, com valor jurídico legítimo – quando produzida e preservada de forma regular, respeitando as normas processuais que asseguram sua autenticidade e integridade.

Assim surgiu a necessidade de preservar a Cadeia de Custódia da Prova, cujo conceito, importância e consequências jurídicas em caso de violação serão o nosso objeto de destaque.

O artigo 158-A do Código de Processo Penal, incluído pela Lei n. 13.964/2019, introduz o seguinte conceito de Cadeia de Custódia:

Art. 158-A. Considera-se cadeia de custódia o conjunto de todos os procedimentos utilizados para manter e documentar a história cronológica do vestígio coletado em locais ou em vítimas de crimes, para rastrear sua posse e manuseio a partir de seu reconhecimento até o descarte.

Cadeia de Custódia da Prova compreende, portanto, o conjunto de procedimentos adotados para “preservar a integridade da prova, sua legalidade e confiabilidade[1]”. O Código de Processo Penal, nos artigos seguintes, complementa de forma extremamente detalhada como deve ser preservada a Cadeia de Custódia da Prova.

A produção de qualquer prova em um processo criminal deve respeitar as regras de preservação do vestígio do crime, seja ele físico ou digital (tema especialmente relevante pela crescente utilização de provas digitais).

Desse modo, a Cadeia de Custódia não apenas documenta cada etapa percorrida pela prova, mas assegura sua idoneidade e serve como condição de confiabilidade da atividade probatória no processo penal.

A integral preservação da Cadeia de Custódia assume relevância central no processo penal por diversas razões, das quais damos destaque a três em especial: (a) Garantia de autenticidade da prova; (b) Proteção ao devido processo legal, e vedação às provas ilícitas e; (c) Garantia do contraditório e da ampla defesa.

Sem a Cadeia de Custódia, não há como garantir que a prova apresentada corresponde, de fato, ao vestígio originariamente coletado, o que comprometeria a confiança no material probatório, conhecido como princípio da mesmidade.

Além disso, a Cadeia de Custódia integra o núcleo essencial do devido processo legal, que veda a admissão de provas ilícitas. Sendo assim, respeitar a Cadeia de Custódia assegura a regular utilização da prova no processo criminal.  

Por fim, a preservação da Cadeia de Custódia assegura o pleno exercício de defesa, garantindo que a defesa tenha pleno acesso a todas as informações relativas à produção e conservação da prova, o que permite impugnar a técnica utilizada para custódia do vestígio e corrigir eventuais vícios probatórios.

Outro problema que se insere na Cadeia de Custódia é a consequência processual na hipótese em que não for observada alguma das etapas de produção e custódia do material probatório.

Embora o legislador tenha estabelecido, nos artigos 158-A a 158-F do Código de Processo Penal, regras minuciosas sobre a preservação da Cadeia de Custódia da prova, não fixou critérios objetivos para determinar quando essa cadeia é considerada rompida, tampouco disciplinou, de forma expressa, as consequências jurídicas dessa quebra ou do descumprimento dessas normas no âmbito do processo penal.

Como bem explica o Professor Gustavo Badaró, se houver violação à Cadeia de Custódia, duas soluções são possíveis: “a primeira, considerar que a prova se torna ilegítima, não podendo ser admitida no processo; a segunda, superar a questão de admissão da prova e resolver o problema do vício da Cadeia de Custódia dando menor valor ao meio de prova produzido[2]”.

Ou seja, por um lado, parte da doutrina entende que a violação à Cadeia de Custódia acarreta presunção automática de ilicitude probatória (o que diz respeito à inadmissibilidade da prova). Por outro, à míngua de provas válidas, a acusação pode ser considerada frágil, o que possivelmente culminaria em absolvição por falta de suporte probatório mínimo (no campo de valoração da prova).

De todo modo, a ausência de Cadeia de Custódia da prova fere a legitimidade do processo penal e fragiliza a própria autoridade da decisão judicial. Sem Cadeia de Custódia íntegra, não existe prova legítima, e sem prova legítima não há condenação justa.

A temática sobre a Cadeia de Custódia da prova é relativamente recente, mas os Tribunais já tiveram a oportunidade de julgarem casos que envolvem a quebra na integridade da prova.

A exemplo, no julgamento do HC n. 653.515, a Sexta Turma do Superior Tribunal de Justiça fixou o critério segundo qual “as irregularidades constantes da cadeia de custódia devem ser sopesadas pelo magistrado com todos os elementos produzidos na instrução, a fim de aferir se a prova é confiável”.

Sob este prisma, em contrário à corrente que defende a ilicitude da prova por razão da quebra da Cadeia de Custódia[3], a jurisprudência consolidada determina: questões afetas à Cadeia de Custódia da Prova devem ser avaliadas junto dos demais elementos de prova produzidos durante a instrução processual.

Apesar das críticas ao entendimento firmado, a decisão dá um norte à atuação defensiva, no sentido de reforçar a necessidade de que seja demonstrado o prejuízo ao acusado decorrente da irregularidade na preservação da prova

Por outro lado, o Superior Tribunal de Justiça já reconheceu a inadmissibilidade de provas produzidas sem a devida observância dos procedimentos de custódia da prova. No julgamento do AgRg no RHC n. 143169, a Quinta Turma reconheceu a inadmissibilidade de provas produzidas em razão da inobservância dos procedimentos técnicos necessários a garantir a integridade das fontes de prova arrecadadas pela polícia.

No caso em questão, as provas dos autos foram obtidas a partir de um computador apreendido na posse do investigado. No entanto, a autoridade policial responsável pela apreensão deixou de copiar integralmente o conteúdo do dispositivo (o que deve ser feito aplicando a técnica do algoritmo hash), a fim de gerar um “espelho” dos dados representasse fielmente o conteúdo original.

Sendo assim, a Corte reconheceu que “pela quebra da cadeia de custódia, são inadmissíveis as provas extraídas dos computadores do acusado, bem como as provas delas derivadas”.

Em síntese, a Cadeia de Custódia configura um mecanismo fundamental para a proteção da validade e da confiabilidade das provas no processo penal. Sua correta observância é indispensável para assegurar o devido processo legal, o contraditório e a ampla defesa, sem os quais não há um processo penal justo.

Nesse sentido, toda violação da Cadeia de Custódia deve ser rigorosamente controlada e sancionada mais adequadamente com a exclusão da prova comprometida, garantindo-se a higidez do processo penal e a proteção dos direitos fundamentais do acusado.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS.

BRASIL. Código de Processo Penal. Decreto-Lei n.º 3.689, de 3 de outubro de 1941.

BADARÓ, Gustavo Henrique. Processo Penal. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2023.

LOPES JR., Aury. Direito processual penal. 19. ed. São Paulo: Saraiva, 2022.

PRADO, Geraldo. A cadeia de custódia da prova no processo penal. 2. ed. Marcial Pons. São Paulo, 2021.

SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. Habeas Corpus n. 653.515/RJ, rel. Ministro Rogerio Schietti Cruz, Sexta Turma, julgado em 23 nov. 2021, DJe de 1 fev. 2022.

SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. Agravo Regimental no Recurso em Habeas Corpus n. 143.169/RJ, rel. Ministro Messod Azulay Neto, rel. p/ acórdão Ministro Ribeiro Dantas, Quinta Turma, julgado em 7 fev. 2023, DJe de 2 mar. 2023.


[1] LOPES JR., Aury. Direito processual penal. 19. ed. São Paulo: Saraiva, 2022. p. 473.

[2] BADARÓ, Gustavo Henrique. Processo Penal. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2023. p. 446.

[3] A exemplo, Geraldo Prado explica que, sem a possibilidade do rastreio da prova, esta perde a confiabilidade, sendo, portanto, ilícita – assim como as provas dela decorrentes –, o que chama de “imputação objetiva da ilicitude probatória” (PRADO, Geraldo. A cadeia de custódia da prova no processo penal. 2. ed. Marcial Pons. São Paulo, 2021, p. 205-211).

Escrito por:

Maurício Moscardi 
Advogado – Integrante do Setor Penal Empresarial

Pedro Bogus 
Advogado – Integrante do Setor Penal Empresarial

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