O Direito de Propriedade do Locador e as implicações nas demandas de Recuperação Judicial

Temos acompanhado pelos canais de notícias o considerável aumento de pedidos de Recuperação Judicial (RJ), fato que tem chamado a atenção até para aqueles que não são da área jurídica, pois muitos dos pedidos envolvem grandes marcas.

Exemplos de destaque no ano de 2023 foram os pedidos de Recuperação Judicial das AMERICANAS, STARBUCKS e 123MILHAS.

Conforme levantamento do Serasa Experian, foram 1.405 pedidos de recuperação judicial ajuizados em 2023, sendo 67% oriundos de micro e pequenas empresas, 23% de médicas e 10% relativos às grandes marcas.

E o que o aumento deste tipo de demanda impacta aos credores, em especial aos locadores de imóveis onde tais empresas exercem suas atividades? Muito, em especial quando no Juízo recuperacional é feita a análise acerca da essencialidade do bem para a manutenção das atividades da empresa, em detrimento ao direito de retomada do imóvel pelo proprietário locador.

Explica-se.

O Egrégio Superior Tribunal de Justiça tem entendimento de que a ação de despejo movida pelo proprietário locador contra sociedade empresária em regime de recuperação judicial não se submete à competência do juízo universal da recuperação.” (CC 170.421/PR, Rel. Ministro MARCO BUZZI, SEGUNDA SEÇÃO, julgado em 09/09/2020).

Tal conclusão é resultado do que prevê a Constituição Federal e o Código Civil Brasileiro quanto ao direito de propriedade, aliado ao que consta da Lei Falimentar nº 11.101/2005, no seu artigo 6º, §1º, que taxativamente estipula que demandas que versam sobre quantias ilíquidas (como as ações puramente de despejo), não se sujeitarão ao juízo universal da falência ou da recuperação judicial.

O § 3º do artigo 49 da mesma Lei também dispõe claramente sobre a prevalência do direito da propriedade, o qual não se submete aos efeitos da RJ.

Entretanto, apesar de todo este robusto embasamento legal e jurisprudencial sobre o tema, há recentes decisões entendendo que: “compete ao juízo da recuperação judicial a análise acerca da essencialidade do bem para o êxito do processo de soerguimento da empresa recuperanda, ainda que a discussão envolva ativos que, como regra, não se sujeitariam ao concurso de credores.” (AgInt no CC 159.799/SP, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, SEGUNDA SEÇÃO, julgado em 09/06/2021).

No âmbito do E. Tribunal de Justiça do Paraná encontramos: “essencialidade do bem que enseja a suspensão dos atos expropriatórios, inclusive o despejo. Fato mencionado em decisão proferida pelo juízo recuperacional.” (AI nº n° 0040666-22.2023.8.16.0000; 18ª Câmara Cível, Rel.: Des. Vitor Roberto Silva, julgado em 28/02/2024).

A referida análise quanto a essencialidade do imóvel locado utilizado pela recuperanda – visando beneficiar a manutenção das atividades empresariais e contribuir com a aprovação e cumprimento do seu plano de recuperação judicial – tem gerado decisões de cunho liminar suspendendo ordens de despejo, o que têm adiado o direito de retomada do imóvel pelo proprietário.

Tais decisões são transitórias e não liberam a obrigação da recuperanda em efetuar o pagamento pontual dos alugueis vencidos após o ajuizamento do pedido da recuperação, observado o fato de que apenas o crédito vencido antes do início da RJ é que se sujeita à demanda recuperacional (art. 49 da Lei nº 11.101/2005).

Em que pese os locadores já estarem penalizados com a inadimplência dos alugueis históricos, cujo saldo devedor somente será pago da forma como for delineado e homologado o plano de recuperação judicial, os alugueis mensais durante o trâmite da ação recuperacional e, enquanto tais decisões liminares estiverem em vigência, deverão ser pagos regularmente.

Isso porque, o entendimento quanto a viabilização para o soerguimento da empresa locatária e o Princípio da Função Social da Empresa não pode servir como pretexto para a ocupação desmedida dos imóveis em favor das empresas em recuperação judicial, em detrimento da atividade econômica do locador.

Há que se esclarecer também que, mesmo que tenha sido declarada a essencialidade do imóvel em favor da recuperanda, esta decisão não poderá se prolongar no tempo e se sobrepor ao que for sentenciado em processo de despejo ajuizado pelo locador, conforme ponderou o Ministro JOÃO OTÁVIO DE NORONHA em decisão proferida pelo E. STJ: “Por mais que se pretenda privilegiar o princípio da preservação da empresa, não se pode afastar a garantia ao direito de propriedade em toda a sua plenitude daquele que, durante a vigência do contrato de locação, respeitou todas as condições e termos pactuados, obtendo, ao final, decisão judicial – transitada em julgado – que determinou, por falta de pagamento, o despejo do bem objeto da demanda” (AgRg no CC 133.612 / AL, julgado em 14/10/2015).

Outro não poderia ser o entendimento, pois não é correto limitar o exercício do direito de propriedade do locador que não mais pretende manter contrato de aluguel a pretexto de possibilitar o cumprimento de plano de recuperação judicial.

Sendo assim, apesar das constantes invocações ao Princípio da Preservação da Empresa e da intenção da Lei Falimentar em conceder moratórias e ampliar as possibilidades de saneamento financeiro das sociedades em crise para evitar sua quebra, o que pode tardar a retomada do imóvel pelo locador, o que se vê, ao final, é o efetivo respeito ao direito de propriedade, observado o entendimento jurisprudencial consolidado quanto a competência exclusiva do Juízo da ação de despejo para julgar o pedido, não se submetendo ao Juízo Universal da RJ.

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