Por Carlos Gasperin, advogado do setor tributário do Casillo Advogados.
Em 01/05/2023, foi publicada a Medida Provisória 1171/2023, a qual traz grandes e importantes mudanças na tributação das pessoas físicas residentes no país, especialmente no que toca aos seus investimentos no exterior.
Com a medida, o Governo Federal pretende acelerar as discussões que já existiam na Câmara dos Deputados (PL 3489/2021) sobre a instituição de uma regra anti-diferimento da tributação de rendimentos no exterior, para pessoas físicas, as chamadas Controlled Foreign Company (CFC) rules; já existentes para pessoas jurídicas brasileiras a partir da introdução de novas regras de tributação dos rendimentos das companhias nacionais postas pela Lei 12973/2014.
De um plano de política tributária, pode-se dizer que a tentativa é mais um sinal dado pelo Brasil de harmonização e modernização das regras tributárias em consonância com as diretrizes estabelecidas pela Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico (OCDE), da qual o país almeja a fazer parte; mas, também, representa um grande instrumento arrecadatório que tem seus problemas jurídicos a serem enfrentados.
Com a nova medida, os investimentos no exterior detidos por pessoas físicas residentes no Brasil, bem como os lucros de empresas estrangeiras por elas controladas serão tributados de forma apartada na Declaração de Ajuste Anual, com alíquotas específicas.
As alíquotas variam pouco a depender do rendimento (0% – até R$ 6 mil, 15% entre R$ 6 e R$ 50 mil e 22% acima de R$ 50 mil), o que já aponta para um problema de progressividade da legislação proposta. Além disso, se considerarmos a tributação das aplicações financeiras nacionais, ver-se-á que há um tratamento diferenciado, já que essas, após dois anos, são tributadas à alíquotas menores e, em alguns casos, como as realizadas em bolsa de valores, possibilitam a compensação de prejuízos.
Talvez o grande impacto da medida esteja na forma de tributação dos lucros apurados por empresas controladas por pessoas físicas residentes no país (as chamadas offshores), que até então, somente eram tributados quando da distribuição ao contribuinte e, agora, se convertida em lei a MP, passarão a ser tributados quando da sua apuração em balanço, independentemente da efetiva disponibilização à pessoa física.
São consideradas controladas sociedades e demais entidades, personificadas ou não, aí incluídos os fundos de investimento nas quais a pessoa física brasileira possui o controle das deliberações ou possuir mais de 50% do capital social, de forma direta ou em conjunto com pessoas que a norma classifica como vinculadas.
A tributação quando do balanço se aplica às sociedades controladas sediadas em paraísos fiscais ou, independentemente da localidade, que apurem renda ativa (obtida diretamente pela empresa, excluídos, royalties, juros, dividendos, aplicações financeiras etc.) inferior à 80% da renda total, podendo o imposto pago pela sociedade, no país de origem, ser compensado em determinadas condições. Excluem-se do cálculo do lucro tributável desta forma eventuais dividendos que a sociedade estrangeira receba de empresas brasileiras.
Há limitações na compensação de prejuízos fiscais, desconsidera-se possível regramento da entidade sobre a própria distribuição de dividendos, impactos em acordos para evitar dupla tributação e determinação de computo da variação cambial do investimento para cálculo de ganho de capital quando da alienação do investimento, pontos de atenção sobre o novo regramento pretendido pelo governo, o qual, se convertido em lei ainda esse ano, será aplicável já em 2024 para os lucros produzidos a partir daquele ano.
Outro ponto importante que a MP 1171/2023 traz é a possibilidade de atualização do valor dos bens e direitos no exterior, detidos por pessoas físicas residentes no brasil, para o valor de mercado em 31/12/2022, tributando-se a diferença a uma alíquota de 10%. Estão incluídos direitos sobre imóveis, aplicações financeiras, veículos, aeronaves, embarcações e demais móveis de registro geral e participações societárias. A disposição pode ser benéfica em algumas situações e merece ser avaliada, a despeito da alíquota elevada pretendida.
A MP trata, também, da tributação dos trusts no exterior, optando por aplicar o critério da sua transparência fiscal, adotando entendimento da própria RFB a respeito.
Em resumo, a nova medida provisória deve ser analisada com atenção, pois, implica mudanças substanciais no quadro normativo tributário nacional, forçando a reanalise de planejamentos fiscais já existentes, seja para sua modificação/adaptação, seja para a discussão de pontos específicos da MP.