Por Cecília Troib, advogada da área de Direito Imobiliário do Casillo Advogados.
A lei nº 8.245/91, que regula as locações de imóveis residenciais e comerciais, autoriza ao juiz em seu art. 59, §1º, IX, que, tão logo protocolada pelo locador a petição inicial de ação de despejo por falta de pagamento, expeça imediatamente ordem para que o locatário desocupe o imóvel em 15 dias.
A concessão dessa medida – usualmente chamada de “despejo liminar”, devido ao deferimento da ordem de desocupação antes da oitiva da parte contrária –, porém, é vedada pela Lei de Locações quando o contrato estiver provido de garantia.
É sabido que nesta espécie de contrato a garantia mais utilizada é a fiança, por meio da qual, uma pessoa garante satisfazer ao credor – no caso o locador – uma obrigação assumida pelo devedor – locatário -, caso este não a cumpra.
A justificativa para a vedação do chamado “despejo liminar” quando existente fiança no contrato de locação se dá, em tese, pois não haveria prejuízo na manutenção do locatário no imóvel até o julgamento final do processo, já que os bens do fiador poderiam saldar os alugueis e encargos não pagos.
No entanto, pede-se vênia para aludir ao entendimento de que tal raciocínio – e a aplicação literal do art. 59, §1º, IX da Lei de Locações – não podem ser adotados de forma automática, sem a devida atenção ao caso concreto e à real finalidade pretendida pelo dispositivo, como infelizmente é feito na maioria das ações de despejo por falta de pagamento em que o pedido liminar é negado sob o simples fundamento de “existência de fiança no contrato”.
Isso se deve pois não é rara a constatação da insuficiência do patrimônio do fiador para a satisfação da dívida. Nestes casos, é de rigor a mitigação da norma contida no art. 59, §1º, IX da Lei de Locações, sob pena de manutenção da locação sem a devida contraprestação e impossibilidade de recuperação dos alugueis e encargos inadimplidos, na contramão da vontade do legislador.
Nesse sentido, no julgamento do Agravo de Instrumento nº 0001991-58.2021.8.16.0000 de Relatoria da Desembargadora Denise Kruger Pereira do TJPR, foi deferido o despejo liminar do locatário mesmo estando o contrato de locação garantido por fiança, pois foi constatada a existência de pendências financeiras em nome do garantidor, que o impediriam de saldar a dívida objeto daquele processo.
Defendemos que a praxe adotada no referido julgamento merece ser difundida e amplamente aplicada para os casos em que, não obstante o contrato de locação seja provido de fiança, tal garantia se revele ineficaz para os fins a que se destina, ou seja, incapaza de garantir o pagamento da dívida.
Sob qualquer viés que se analise a questão, não cabe ao julgador aplicar a lei de forma literal quando tal postura surtir efeitos contrários ao sentido da norma, sendo ilógico, por parte do Judiciário, o receio de empregar tal entendimento de forma habitual.
Aferido, então, no caso concreto, o patrimônio insuficiente ou inexistente do fiador, através de declarações de imposto de renda, extratos de pendências financeiras ou outros documentos nessa linha, nada mais justo que o locador faça jus ao deferimento do despejo liminar para que possa reaver o imóvel de sua propriedade de imediato.
Necessária, portanto, que o julgador da ação de despejo por falta de pagamento realize uma análise criteriosa e atenta do art. 59, §1º, IX da Lei de Locações, visando coibir a manutenção do locatário inadimplente no imóvel quando o patrimônio do fiador não é suficiente para cobrir a dívida, evitando-se o desarrazoado indeferimento da liminar pelo simples fato de que o contrato estaria, em tese, garantido por fiança, quando, em realidade, referida garantia já se encontra esvaziada.